No discreto farfalhar das folhas na floresta, ou no silêncio de uma sala de estar banhada de luz onde cada criança aprendem ao seu ritmo, o insucesso encontra naturalmente o seu lugar. Não é um fim em si mesmo, nem um erro a corrigir com urgência, mas um sussurro, um sinal discreto enviado à alma da criança: “Olha, há mais para descobrir aqui”.

Na nossa sociedade apressada, o fracasso é muitas vezes temido, evitado e mascarado. É o passo em falso que gostaríamos de apagar dos nossos boletins de notas, a imperfeição que escondemos atrás de elogios superficiais, a falta de jeito que corrigimos imediatamente com um gesto rápido. E, no entanto, nos caminhos secundários que escolhemos – seja em casa, seja à sombra de uma pedagogia alternativa – o fracasso torna-se um companheiro especial. Um companheiro fiel que nos ensina muito mais do que o sucesso.

O fracasso na aprendizagem da vida

Na abordagem de Charlotte Mason, a criança é uma pessoa completa, digna de respeito, capaz de pensar, sentir e compreender. Ela defende uma educação alimentada por ideias vivas, histórias e experiências verdadeiras. Neste contexto, o insucesso não é um resultado, mas um convite para ir mais fundo. Quando uma criança não consegue copiar uma obra de arte, quando as suas palavras tropeçam na narrativa, isso não é uma fraqueza. É um sinal de verdadeira aprendizagem, de um cérebro em movimento, de uma consciência que desperta.

A educação Montessori, por outro lado, coloca ferramentas de auto-correção nas mãos da criança. O fracasso está incorporado no material: uma torre cor-de-rosa que não se aguenta se os cubos forem empilhados incorretamente, letras ásperas que resistem a um dedo não treinado. A criança compreende por si própria que algo não está a funcionar – sem humilhação, sem notas, sem julgamento. Começa de novo, aperfeiçoando os gestos e desenvolvendo a concentração. O fracasso aqui é uma função, não um obstáculo.

E o que podemos dizer da escola Waldorf, onde as crianças não são instadas a escrever ou a ler enquanto não sonharem, cantarem, tecerem e moldarem a vida com as suas mãos? O fracasso dilui-se no ritmo lento do ano, nas festividades recorrentes, na história que será contada de novo amanhã. É aceite, até esperado, porque sem ele as crianças não podem tecer a sua própria relação com o mundo.

O direito de falhar

Na sociedade atual, orientada para o desempenho, é preciso fazer as coisas rapidamente, bem e, se possível, sem problemas. Os erros tornam-se vergonhosos. São temidos e traumatizados. As crianças aprendem a procurar aprovação em vez de compreensão, a responder em vez de pensar.

Mas a aprendizagem, o verdadeiro tipo de aprendizagem, o tipo que move o coração e o corpo, é um caminho ladeado de hesitações. Quem aprende a trepar a uma árvore pode cair de um ramo baixo. Aqueles que tentam ler sozinhos podem tropeçar nas palavras. Quem quiser compreender as fracções, confundir-se-á cem vezes antes de obter clareza.

Em casa, no casulo da educação familiar, podemos devolver aos nossos filhos este direito sagrado: o direito de errar. De começar de novo. De experimentar. De explorar sem medo de falhar. Porque é aí que reside a autonomia: na liberdade de experimentar.

O fracasso, uma lição de humildade e resiliência

O fracasso ensina-nos a ter paciência. Sussurra-nos que não temos direito a tudo, que o domínio leva tempo, que o conhecimento se ganha. Também ensina a humildade: não sabemos tudo, e isso é ótimo. Cada erro é uma janela para o que ainda não sabemos.

Para a criança, constrói a resiliência interior. Aprende que cair não é sinónimo de fracasso definitivo, mas um passo em frente no caminho que conduz à vitória. Descobre que o seu valor não reside no seu desempenho, mas na sua capacidade de se levantar, de se adaptar, de compreender as coisas de forma diferente.

E para os pais que os acompanham, que observam sem intervir demasiado depressa, o fracasso torna-se também uma escola. Lembra-nos que as crianças não precisam de um salvador, mas de uma testemunha benevolente. Alguém que diz, por vezes sem palavras: “Podes tentar outra vez. Eu estou aqui.

O fracasso, a raiz da criatividade

É no inesperado, na imperfeição, que muitas vezes nasce a criatividade. As crianças que falham descobrem caminhos inesperados. Inventam, contornam e imaginam. Demonstram o tipo de pensamento divergente e a flexibilidade mental que as escolas tradicionais muitas vezes restringem ao concentrarem-se apenas em encontrar a resposta correta.

Nos projectos livres, nas brincadeiras na natureza, na cozinha ou na construção de um abrigo de madeira, o fracasso é uma constante. E é precisamente isso que faz com que seja um terreno tão fértil: nada está gravado na pedra. Tudo tem de ser inventado.

Como dizia Maria Montessori:

“Os erros fazem parte do trabalho”.

E é exatamente esse o objetivo: uma criança que falha é uma criança que trabalha, que avança, que procura.

O fracasso reflecte a nossa própria relação com o controlo

Muitas vezes, ficamos magoados com o insucesso do nosso filho porque ele reflecte o nosso próprio medo da imperfeição. Queremos tanto que tudo corra bem, que a aprendizagem decorra sem problemas, que os “resultados” sejam visíveis. Mas a educação é um ato de fé, uma sementeira lenta.

Aceitar o insucesso de uma criança significa também fazer as pazes com a nossa própria história. Significa lembrar que as nossas maiores lições nascem muitas vezes de um colapso, de um cansaço, de um momento de dúvida. São esses os momentos em que crescemos.

Dar tempo aos rebentos

Nas abordagens que respeitam o ritmo da criança – sejam elas Mason, Montessori, Waldorf, Forest School,.. – o fracasso não é um fracasso. É um processo. Uma etapa. Uma respiração.

É o solo no qual a aprendizagem sólida cria raízes.

E se deixarmos os nossos filhos falhar? Honestamente. Sem pressas. Sem comentários. E se olhássemos para essas tentativas desajeitadas não como falhas, mas como sementes, os contornos do amanhã?

Porque a verdadeira aprendizagem não é linear. Assemelha-se a uma espiral, a uma dança, a uma chuva fina que permeia lentamente a terra.

E é neste solo – alimentado por falhas, ajustes e experimentação – que os rebentos mais fortes acabarão por florescer.

Escrito por Alexandrina Cabral

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