Há um mistério delicado que envolve os nascimentos múltiplos. Dois, por vezes três corações batendo ao mesmo ritmo num único útero, como uma canção ancestral, uma sinfonia tecida mesmo antes do primeiro choro. No entanto, para além da magia que projectamos nos gémeos e nos trigémeos, existe uma realidade mais subtil e mais humana: o laço de ligação, tão fundamental mas tão pouco conhecido no contexto da maternidade de vários filhos ao mesmo tempo.

O mito da fusão mágica

No imaginário coletivo, os gémeos partilham tudo: pensamentos, emoções, sensações. Imaginamo-los inseparáveis, cúmplices desde o berço, como se a sua ligação de irmãos fosse suficiente para alimentar o seu desenvolvimento emocional. Mas esta visão romântica, embora comovente, esconde uma verdade mais sutil.

O vínculo de ligaçã0 não é construído simplesmente pela presença de outro ser nascido ao mesmo tempo. Está enraizada na experiência sensorial, emocional, corporal e relacional entre um bebé e a sua principal figura de vinculação – frequentemente a mãe, por vezes o pai, ou qualquer outro adulto que responda com constância, calor e presença às necessidades da criança.

Com vários filhos, esta ligação não pode ser partilhada. Não pode ser dividida. Cada criança precisa de se sentir única aos olhos da sua mãe. E é aí que começa a tensão.

A vertigem da presença partilhada

Como oferecer uma presença plena a duas, três, por vezes mais crianças, todas nascidas ao mesmo tempo, todas exigindo a mesma proximidade, o mesmo peito, os mesmos braços, o mesmo olhar?

A maternidade de proximidade – a escolha consciente de responder às necessidades de um bebé com ternura e disponibilidade – assume aqui uma outra dimensão. Já não se trata de um simples ajustamento logístico. É um ato permanente de criação: inventar um espaço onde cada um dos seus filhos possa sentir-se profundamente acolhido, mesmo num abraço partilhado.

O choro simultâneo. As noites intermináveis. A sensação por vezes insuportável de não estar a fazer o suficiente. E o sentimento de culpa que sussurra nos ouvidos das mães: “Será que estou mesmo presente para cada um deles?

Mas se a quantidade de braços é limitada, a qualidade da presença pode ser alargada.

Laços criados a várias vozes

O vínculo de ligaçã0 entre múltiplos não se desenvolve necessariamente de forma igual ou simultânea. Cada criança tem a sua própria maneira de pedir, de esperar e de se exprimir. Uma será mais fusional, a outra mais exploradora. Uma procurará constantemente o contacto, a outra preferirá observar, em silêncio, do seu canto.

É essencial reconhecer estas diferenças sem tentar “equilibrá-las”. O mito de que cada gémeo deve receber exatamente a mesma coisa é uma ilusão contraproducente. O que as crianças querem não é igualdade matemática, mas justiça emocional: que as suas necessidades sejam ouvidas pelo que são, não pelo que imaginamos que devem receber.

E isso requer uma arte delicada: a de estar presente de uma forma adequada.

O olhar que diferencia

Na azáfama da vida quotidiana com múltiplos, é tentador pensar neles como uma unidade. Vestimo-los da mesma forma. Chamamo-los com uma única respiração. Falamos com eles como um duo, um trio. E sem nos apercebermos, esquecemo-nos por vezes de os nomear na sua singularidade.

Mas para que uma criança se sinta profundamente amada, precisa de se ver reflectida como um ser de pleno direito. O vínculo de ligação é reforçado quando o adulto olha para cada criança com atenção, com curiosidade, com a capacidade de dizer: “Eu vejo-te. Eu vejo-te a ti. Não o teu irmão. Não a tua irmã. Mas tu.

Isto pode acontecer através de micro-rituais: uma canção sussurrada ao ouvido de uma criança, um momento roubado de contacto pele a pele durante a sesta da outra criança, um olhar conhecedor durante a muda da fralda. Nem sempre são os grandes gestos que alimentam a ligação, mas estes momentos suspensos em que a criança se sente escolhida.

Uma maternidade intensamente humilde

Quando se é mãe de vários bebés, aprende-se rapidamente a esquecer a perfeição. Descobre-se a humildade. A humildade de não poder fazer tudo de imediato. Trata-se de aceitar as lágrimas que não podem ser consoladas imediatamente. É confiar na solidez da relação, mesmo quando se tropeça quando se está cansado.

Mas esta maternidade, embora intensa, é também profundamente frutuosa. Abre novas formas de escuta, adaptabilidade e criatividade. Convida-nos a rodearmo-nos de outros, a delegar, a sair da lógica do sacrifício solitário.

Porque o vínculo de apego não se baseia apenas na mãe. Também se desenvolve através de uma comunidade: o parceiro, os avós, os amigos, por vezes até os mais velhos. Quando cada adulto na vida de uma criança encarna uma figura tranquilizadora, cria-se toda uma rede de ligações seguras, como um ninho plural.

Os irmãos como base, mas não como substituto

Os gémeos e os trigémeos têm muitas vezes uma relação especial. Acalmam-se uns aos outros, chamam-se uns aos outros e reconhecem-se desde o momento da gestação. Esta relação pode ser preciosa. Mas nunca pode substituir o vínculo de ligaçã0com os pais.

Seria um erro pensar que a sua cumplicidade é suficiente para satisfazer as suas necessidades afectivas primárias. O vínculo de ligaçã0 continua a ser fundamentalmente assimétrica: baseia-se numa figura estável, protetora e previsível. É esta base que permitirá à criança desenvolver relações ricas e seguras, incluindo com os irmãos.

Amar com presença e poesia

O vínculo de ligação em múltiplos não é um caminho simples. É uma dança, por vezes caótica, muitas vezes arrasadora. Exige que abrandemos, que escutemos, que criemos momentos de qualidade numa rotina diária saturada.

Mas não é inacessível. Constrói-se, passo a passo, nos silêncios partilhados, nos olhares atentos, nos gestos de ternura que dizem: “Estás aqui, e eu estou aqui para ti”.

E talvez seja esse o verdadeiro segredo: não tentar ser perfeito, mas estar presente. Presente ao mundo interior de cada pessoa. Presente às suas diferenças. Presente também a si próprio, para não se perder no esforço.

Porque, no fim de contas, as crianças não precisam de uma mãe que consiga tudo. Precisam de uma mãe que ame, que tente, que aprenda e que volte sempre para eles.

Escrito por Alexandrina Cabral

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