A arte da comunicação envolve algo profundo: uma dança entre a escuta e a expressão, e a Comunicação Não-Violenta (CNV) é uma ferramenta incrível para percorrer este caminho. Quando se vive com crianças, cujos gestos e palavras são absorvidos com intensidade, a CNV convida-nos a cultivar um ambiente de acolhimento, compreensão e respeito mútuo. Não se trata de evitar o conflito, mas de aprender a geri-lo com empatia e responsabilidade, e com as crianças isto torna-se uma prática transformadora.

Este artigo pretende simplificar algumas formas de introduzir a CNV na sua rotina familiar, para a tornar uma prática real e acessível para si e para os seus filhos. Vamos explorar juntos o potencial transformador que ela traz para as nossas interações diárias com as crianças.

Introduzir a CNV na sua rotina não exige que seja perfeito ou que os seus filhos compreendam sempre as suas intenções. É uma construção gradual, onde pais e educadores criam espaços seguros para que as crianças aprendam a expressar o que sentem e o que precisam. A aprendizagem é constante e, mesmo em momentos difíceis, há oportunidades para criar laços profundos.

 

1 Escuta ativa: criar um espaço de acolhimento

A escuta é um dos pilares mais importantes da CNV. Ouvir sinceramente uma criança significa estar presente com a mente e o coração, sem julgar ou apressar-se a corrigir. Sei que pode ser difícil estar verdadeiramente presente quando uma criança está a falar. Muitas vezes, estamos ocupados, estamos a pensar em mil coisas e acabamos por ouvir só por ouvir. Mas ouvir ativamente significa estar totalmente presente – um pouco como desligar o “piloto automático” e concentrar-se apenas naquele momento, o que faz com que a criança se sinta vista e valorizada, criando um ambiente de segurança e confiança.

Como praticar: Reserve um momento todos os dias para se sentar com o seu filho e ouvir sem interrupções. Durante uma conversa, lembre-se que o contacto visual é importante: abaixe-se de forma a ficar ao nível dos olhos do seu filho, o que permite um contacto visual agradável e direto. Tente esquecer o que o preocupa e concentre-se completamente no que ele está a dizer.

Exemplo concreto: o seu filho ou filha chega e conta-lhe uma discussão com um amigo. A reação natural pode ser responder: “Não é grave, eles fazem logo as pazes”. E se, em vez disso, perguntasse: “E como é que te sentiste?” Este tipo de pergunta mostra que está interessado no que ele viveu e não apenas no que aconteceu. Ao dar-lhes a oportunidade de expressar o que sentiram, não só está a validar as suas emoções, como também está a ensinar-lhes que todos os sentimentos são bem-vindos.

Exemplo prático: Quando notar que a criança está frustrada, diga algo como: “Eu vejo que você está chateado porque quer continuar brincando. Isso se chama frustração, e é normal sentir isso quando não conseguimos o que queremos.”

2. Dar nome aos sentimentos e às necessidades: fornecer ferramentas de expressão

Agora imagine: quantas vezes conseguimos exprimir exatamente o que sentimos? Sim, por vezes nem sequer sabemos! Com as crianças, que estão a descobrir o mundo das emoções, esta linguagem pode ser complexa, é um conceito que tem de ser ensinado gradualmente, mas com pequenas adaptações, podemos ajudá-las a nomear sentimentos e necessidades, ajudando-as a compreender o que se passa dentro delas. Ter a linguagem para expressar as suas emoções é uma competência valiosa que o ajuda a desenvolver a sua inteligência emocional e a gerir os seus próprios sentimentos.

Como Praticar: Quando o seu filho mostrar frustração ou alegria, ajude-o a identificar o que está a sentir. Por exemplo, diga: “Vejo que estás chateado porque querias ter mais tempo para brincar” ou “Vejo que estás contente porque fizeste esta atividade”. Dar nomes aos sentimentos torna a experiência emocional mais compreensível para as crianças e ensina-as a reconhecer os seus próprios estados emocionais.

Exemplo Prático: Está na hora do jantar e o seu filho não quer parar de brincar. Em vez de só lhe pedir que pare, pode tentar: “Compreendo que estejas aborrecido porque querias continuar. O mesmo acontece comigo quando tenho de parar de fazer algo de que gosto”. Este tipo de comunicação gera empatia e ensina que é normal sentir coisas difíceis, mas que o diálogo pode permanecer leve.

3. Cultiva a empatia: estar preparado, não apenas observar

A empatia está no núcleo da CNV e é uma das competências mais importantes a desenvolver durante a infância. Ensinar a empatia requer paciência e prática constante, porque não é apenas uma questão de se colocar no lugar do outro, mas sim, de estar realmente presente para compreender e sentir em conjunto. Para as crianças, a empatia desempenha um papel essencial no desenvolvimento da sua própria capacidade de se relacionar com os outros. As crianças que experimentam a empatia em casa ligam-se naturalmente aos seus próprios sentimentos e aos dos outros, tornando-se adultos compreensivos e confiantes.

Como Praticar: Em caso de conflito, como uma discussão entre irmãos, incentive as crianças a dizerem o que sentem e o que precisam. Em vez de resolver o problema por elas, deixe-as exprimir os seus sentimentos e encorage-as a ouvir o ponto de vista da outra pessoa.

Exemplo Prático: Os seus filhos estão a discutir por causa de um brinquedo. Em vez de tirar o brinquedo e acabar com a briga, tente perguntar a cada criança como se sente, sem a culpar ou castigar. Em vez disso, pergunte: “Como achas que o teu irmão se sentiu nessa situação? Estas perguntas ajudam as crianças a pensar nas consequências das suas próprias acções e a ter em conta as emoções dos outros. Quando os dois pontos de vista estiverem claros, sugira-lhes que encontrem uma solução em conjunto, para que aprendam que os conflitos também podem ser resolvidos de forma justa.

4. Substituir o “certo e o errado” pela curiosidade

Um dos maiores desafios para a maioria dos pais é evitar os rótulos e julgamentos que são tão comuns na nossa cultura. Quando rotulamos as acções das crianças como boas ou más, esquecemo-nos do que realmente importa: a razão por detrás do seu comportamento. A CNV ensina-nos a ver o comportamento das crianças como um reflexo de necessidades e sentimentos que ainda não são compreendidos.

Como Praticar: Em vez de responder automaticamente com “não é assim que se faz” ou “isso não está certo”, tente compreender o que a criança estava a tentar comunicar com essa ação. Perguntas como “O que é que querias dizer com isso?” ou “Do que é que precisavas?” incentivam a criança a pensar nos seus próprios desejos e sentimentos.

Exemplo Prático: Se uma criança pinta na parede sem autorização, a nossa primeira reação é ralhar com ela. E se, em vez disso, dissesse: “Vejo que queres exprimir-te, pintar. E se escolhêssemos juntos o melhor sítio para o fazer?” ou ”O que te levou a escolher esta parede para te expressares? Aqui, está a acolher a necessidade da criança, e este questionamento encoraja-a a compreender o que a levou a agir dessa forma e convida-a a encontrar uma solução prática, sem desrespeitar o seu desejo.

5. Promover a autenticidade e a expressão sincera

A autenticidade é a base de uma relação verdadeira. As crianças são extremamente perceptivas e reconhecem rapidamente quando os adultos não estão a ser sinceros. Na CNV, ser sincero é uma forma de mostrar respeito pela criança, o que também lhe permite aprender a ser sincera consigo própria.

Como Praticar: Exprima os seus sentimentos e necessidades de forma clara e honesta, mas num tom suave. Se estiver cansado, por exemplo, vale a pena explicar isso ao seu filho para que ele compreenda que toda a gente tem momentos de fraqueza e que é importante cuidar de si.

Exemplo Prático: No final de um longo dia, se o seu filho estiver a pedir atenção mas você estiver exausto, explique-lhe calmamente: “Hoje tive um dia muito agitado e preciso de descansar. Porque é que não fazemos algo juntos mais tarde? Desta forma, a criança compreenderá que as pessoas à sua volta também têm limites e que um diálogo sincero é sempre bem-vindo.

Incluir a CNV na vida familiar

A CNV não é uma técnica a ser aplicada de forma rígida; é quase uma filosofia de vida. Requer paciência, auto-conhecimento e um compromisso para experimentar e aprender. Quando a praticamos, começamos a ver as relações com as crianças como um campo de aprendizagem mútua. E é isso que é maravilhoso: quanto mais praticamos, mais natural e fluido se torna o diálogo.

A comunicação baseada na CNV convida-nos a olhar para a outra pessoa com curiosidade e sem julgamento, encorajando-nos a ver os sentimentos e as necessidades por detrás de cada comportamento. Claro que haverá erros pelo caminho, momentos em que as palavras não saem exatamente como queremos. Mas é aí que reside o crescimento: cada pequena troca, por mais imperfeita que seja, reforça a ideia de que a comunicação pode ser um lugar seguro.

Com o tempo, vai notar que as crianças começam a reproduzir o que aprendem consigo. Começam a ouvir com atenção, a pedir com mais clareza aquilo de que precisam e a resolver os seus próprios conflitos com mais calma. E você, como adulto, torna-se não só um exemplo, mas também um parceiro nesta aventura de aprender a comunicar com o coração.

Quando praticamos a Comunicação Não-Violenta, mostramos às crianças que a verdadeira comunicação é uma troca, em que cada um se exprime e ouve, respeitando a si próprio e aos outros. Com cada pequena interação baseada na empatia e na compreensão, plantamos as sementes de uma geração que valoriza o diálogo e a paz.

Escrito por Alexandrina Cabral

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