Numa época em que os ecrãs são omnipresentes, é difícil não sentir uma certa ambivalência em relação a eles. Enquanto pais ou educadores, esta é uma questão que nos interpela profundamente: as crianças devem ser proibidas de utilizar ecrãs? O meu instinto é dizer um enorme “sim”, mas como em qualquer debate complexo, a resposta não pode limitar-se a uma simples afirmação. Vamos analisar o assunto mais de perto, explorar o que a ciência e as nossas intuições dizem e tentar compreender como os ecrãs afectam os nossos filhos.

Ecrãs: uma revolução com múltiplas facetas

Os ecrãs transformaram as nossas vidas. Ligam-nos ao mundo, divertem-nos e educam-nos. No entanto, este progresso tecnológico tem um custo, especialmente para os jovens cujo cérebro ainda está a desenvolver-se. Os pediatras e os neurocientistas concordam que as crianças com uma exposição prolongada aos ecrãs apresentam um atraso no desenvolvimento das suas capacidades linguísticas e cognitivas. Trata-se de uma constatação alarmante: embora atraentes, os ecrãs não podem substituir a interação humana e as experiências tácteis que são essenciais para o desenvolvimento.

De acordo com um estudo da Academia Americana de Pediatria (AAP), as crianças com menos de dois anos não devem ser expostas a ecrãs. Os seus cérebros estão a desenvolver-se a um ritmo frenético nesta idade e precisam de interação humana, experiências sensoriais e um ambiente rico para formar ligações neurais sólidas. Por outro lado, a estimulação passiva e muitas vezes monótona oferecida pelos ecrãs priva as crianças destas experiências essenciais.

Maria Montessori, uma pioneira da educação alternativa, insistiu na importância da manipulação de objectos concretos para ancorar a aprendizagem. Ela acreditava que as crianças aprendiam através das mãos e dos sentidos, interagindo ativamente com o ambiente. Mas os ecrãs oferecem uma estimulação passiva. As crianças sentadas em frente a um ecrã são privadas da riqueza das experiências reais.

Como explicam os neurocientistas, o cérebro de uma criança ainda está a desenvolver-se. Os primeiros anos de vida são cruciais para o desenvolvimento das funções cognitivas, sociais e emocionais. As ligações neuronais são moldadas por experiências sensoriais e interações humanas.

O cérebro sob influência: o que diz a ciência

A neuroplasticidade do cérebro da criança é uma maravilha da natureza, mas também o torna vulnerável. Estudos demonstraram que a exposição prolongada aos ecrãs pode alterar a estrutura e o funcionamento do cérebro. Um estudo realizado pela Universidade de Cincinnati, por exemplo, revelou uma redução do volume de massa cinzenta em regiões ligadas à cognição e à regulação das emoções em crianças que passam mais de duas horas por dia em frente a um ecrã.

O espetro da dependência

Os mecanismos de recompensa integrados nos jogos de vídeo ou nas aplicações para crianças exploram a libertação de dopamina, a “molécula do prazer”. Isto pode conduzir a uma forma de dependência comportamental, particularmente perigosa para as mentes jovens que ainda estão a desenvolver-se.

Montessori teria descrito esta situação como um “desvio”. Para ela, as crianças devem seguir o seu “élan vital” natural, ou seja, o seu desejo de aprender e crescer através de actividades enriquecedoras. Os ecrãs, ao captarem artificialmente a atenção, desviam as crianças deste impulso.

Efeitos emocionais e sociais

As crianças aprendem a regular as suas emoções observando e interagindo com os outros. Os ecrãs, por outro lado, não lhes oferecem essa oportunidade. Pior ainda, bombardeiam frequentemente as mentes jovens com imagens rápidas e sons intensos, o que pode levar a uma excitação excessiva ou, pelo contrário, a uma dessensibilização.

Investigadores da Universidade de Calgary demonstraram que a utilização excessiva de ecrãs por crianças pequenas está associada a um risco acrescido de problemas comportamentais e emocionais, como a ansiedade e a depressão. Estas crianças são também menos capazes de resolver conflitos, partilhar e expressar empatia – competências cruciais para as suas vidas futuras.

Uma bolha tecnológica que isola, um isolamento social disfarçado.

A imagem de uma família reunida mas silenciosa, cada um absorvido pelo seu ecrã, tornou-se tristemente comum. Esta cena ilustra um paradoxo: embora os ecrãs prometam ligar-nos, na realidade criam uma forma de isolamento social. O que pode parecer aparentemente anódino, como um desenho animado para os acalmar ou uma aplicação educativa para os manter ocupados, pode rapidamente conduzir ao isolamento social. O ecrã torna-se uma barreira invisível entre eles e o mundo real, entre eles e os outros.

Charlotte Mason sublinhou a importância das trocas familiares na transmissão de valores e na criação de laços profundos. Mas os ecrãs provocam um curto-circuito.

Será que é isto que queremos para os nossos filhos? Uma vida vivida através de um ecrã, onde a interação humana passa para segundo plano?

Métodos de ensino alternativos e ecrãs: posições claras

Maria Montessori: a importância das actividades sensoriais e concretas

No método Montessori, os ecrãs estão geralmente ausentes da sala de aula, e esta escolha está longe de ser trivial. Montessori acreditava firmemente que as crianças deviam aprender manipulando objectos reais e explorando o seu ambiente de forma independente.

No seu livro L’esprit absorbant de l’enfant (O espírito absorvente da criança), explica que as crianças pequenas desenvolvem a sua inteligência através de experiências sensoriais. Os ecrãs, pelo contrário, oferecem estímulos artificiais e muitas vezes excessivos que perturbam este desenvolvimento natural. Em vez de estimularem a concentração, fragmentam-na, tornando as crianças mais reactivas e menos capazes de mergulhar numa tarefa complexa.

Rudolf Steiner e a pedagogia Waldorf: preservar a imaginação

Fundada por Rudolf Steiner, a pedagogia Waldorf vai ainda mais longe ao rejeitar quase totalmente a utilização de ecrãs, sobretudo nos primeiros anos. Segundo Steiner, os ecrãs impedem o desenvolvimento da imaginação e da criatividade das crianças.

Nas escolas Waldorf, as crianças são encorajadas a brincar livremente, a criar com as mãos e a viver histórias contadas por adultos, sem imagens projectadas. De acordo com esta abordagem, os ecrãs privam as crianças da sua capacidade inata de visualizar e imaginar. Um vídeo animado, por exemplo, impõe imagens prontas, enquanto uma história contada deixa espaço para a interpretação pessoal e o desenvolvimento da imaginação.

Estudos recentes apoiam esta ideia: o consumo excessivo de conteúdos visuais, como os desenhos animados, está associado a um declínio das capacidades criativas e do pensamento crítico das crianças.

Charlotte Mason: a riqueza das experiências reais

Charlotte Mason, outra educadora influente, defendia uma educação baseada em experiências ricas e variadas na natureza, na literatura e nas artes. Acreditava que a exposição das crianças ao “real”, ao “belo” e ao “bom” alimentava as suas mentes.

No seu tempo, os ecrãs não existiam, mas, de acordo com a sua abordagem, teriam sido vistos como uma distração superficial, distraindo as crianças da contemplação da natureza ou da descoberta de grandes obras de literatura. Atualmente, o seu trabalho inspira muitos pais que procuram alternativas ao consumo excessivo de tecnologia.

Como podem os ecrãs ser substituídos por actividades mais enriquecedoras?

Se os ecrãs devem ser evitados ou controlados, como manter as crianças ocupadas de forma construtiva? Eis algumas ideias inspiradas em métodos de ensino alternativos:

  • Actividades sensoriais (método Montessori): sugerir jogos com água ou areia, ou workshops de culinária. Estas actividades simples desenvolvem a motricidade fina e despertam os sentidos.
  • Contar histórias (Waldorf): Ler ou inventar histórias. Isto estimula a imaginação e incentiva a criação de laços.
  • Explorar a natureza (método Charlotte Mason): Passar algum tempo ao ar livre a observar plantas, animais ou as estrelas. Estes momentos alimentam a alma e acalmam o espírito.
  • Artes e arte: ofereça materiais como barro, lápis ou tintas. Criar com as mãos é uma atividade profundamente gratificante e formativa.
    Para uma utilização racional dos ecrãs
    Nem sempre é possível proibir completamente os ecrãs na nossa sociedade moderna. No entanto, a sua utilização deve ser estritamente controlada. Eis alguns princípios para uma utilização responsável:

Para uma utilização razoável dos ecrãs

Nem sempre é possível proibir completamente os ecrãs na sociedade moderna. No entanto, a sua utilização deve ser estritamente controlada. Eis alguns princípios para uma utilização responsável:

  • Antes dos quatro anos de idade, nada de ecrãs. O cérebro das crianças ainda não está preparado para estímulos artificiais.
    Opte por conteúdos enriquecedores.
  • Escolha aplicações e vídeos educativos que incentivem a aprendizagem ativa.
  • E estabeleça tempos livres de ecrãs, como no quarto ou à mesa de jantar.
  • Co-utilização entre pais e filhos: Partilhe estes momentos para orientar a criança e transformar uma atividade passiva numa experiência interactiva.

Uma conclusão cheia de esperança.

Quando penso no impacto dos ecrãs, não posso deixar de pensar nesta frase de Maria Montessori:

Ajuda-me a fazer sozinho.

Quando utilizados incorretamente, os ecrãs dificultam esta procura de autonomia. Mas se os substituirmos por experiências enriquecedoras e supervisionarmos a sua utilização, podemos oferecer às nossas crianças um ambiente propício ao seu desenvolvimento.

Em vez de os fecharmos numa bolha tecnológica, vamos abrir-lhes um mundo cheio de verdadeiras riquezas, onde cada dia é uma oportunidade para aprender, crescer e maravilhar-se.

No fundo, o que queremos para os nossos filhos é que estejam plenamente vivos e não cativos de um ecrã.

 

Escrito por Alexandrina Cabral

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