Há vozes suaves no mundo da primeira infância. Vozes que sussurram em vez de ordenar, que observam em vez de corrigir. Entre elas está Emmi Pikler, uma pediatra húngara que, em meados do século XX, ofereceu ao mundo uma visão revolucionária do desenvolvimento infantil: a abordagem Pikler, ou como confiar nas crianças e na sabedoria do seu corpo.
Num mundo onde as crianças são muitas vezes empurradas para ficarem de pé antes mesmo de gatinharem, onde as expectativas sociais por vezes ignoram o ritmo único de cada indivíduo, a abordagem Pikler é um convite para abrandar, para ouvir, para respeitar. É uma brisa de ar fresco, uma filosofia de atenção delicada, uma arte de apoio sem pressa.
Uma visão centrada na liberdade
A abordagem Pikler baseia-se numa convicção fundamental: as crianças são seres competentes desde o nascimento. Não precisam de ser ensinadas a moverem-se, a virarem-se, a gatinharem ou a andarem. O que elas precisam é de um espaço seguro, de um ambiente de carinho e de tempo – tempo para fazerem as coisas à sua maneira.
Nesta abordagem, não colocamos os bebés em posições que não conseguem alcançar sozinhos. Os bebés não são colocados numa posição sentada até conseguirem sentar-se sozinhos. Não os seguramos na vertical, com os braços levantados, para os fazer andar como fantoches dóceis. Observamos. Apoiamo-los. Confiamos.
Desenvolvimento motor livre
O que chamamos de “desenvolvimento motor livre” decorre diretamente desta atitude de respeito. Não se trata de um método de aprendizagem, mas de uma forma de estar com a criança. O adulto não ensina os movimentos, mas cria as condições para que eles surjam naturalmente.
Os bebés deitam-se de costas num espaço seguro e são livres de explorar os movimentos que o seu corpo sugere. Descobrem as mãos, levantam as pernas, experimentam uma rotação, depois outra. Cada micro-vitória é fruto da sua própria experimentação e não o resultado de uma injunção externa.
Esta liberdade corporal alimenta algo muito mais profundo do que a simples capacidade física. Ela desenvolve a auto-confiança, a autonomia e a perseverança. Afinal de contas, uma criança que aprende a virar-se sozinha, após dias de tentativas e erros silenciosos, tem uma experiência preciosa do seu próprio poder interior.
Uma atitude adulta marcada pela presença
Na abordagem Pikler, o adulto é o guardião e a testemunha, não o condutor. Ele cria um ambiente rico e seguro, adaptado ao estádio de desenvolvimento da criança, e depois afasta-se, sem nunca deixar de estar presente.
Não se trata de esquecimento ou de laxismo. É uma presença silenciosa mas integral que diz à criança: “Eu vejo-te, eu estou aqui, eu acredito em ti. É uma presença que ouve mais do que fala, que observa sem intervir, que respeita os ritmos íntimos da infância.
E nos momentos de cuidados – mudar de roupa, vestir, dar banho – o adulto torna-se totalmente disponível, totalmente envolvido na relação. Estes momentos não são tarefas a cumprir à pressa, mas rituais de ligação, oportunidades para uma intimidade preciosa em que a criança é considerada em toda a sua dignidade.
Uma abordagem profundamente humana
O que torna a visão de Emmi Pikler tão única é o facto de ela nunca separar o desenvolvimento motor do desenvolvimento emocional. Um não pode existir sem o outro. Uma criança que se pode mover livremente num espaço seguro é também uma criança que se sente segura por dentro.
Em centros inspirados por Pikler, como a famosa creche Lóczy em Budapeste, vimos bebés órfãos e abandonados florescerem num ambiente estável, gentil e respeitoso. Esta abordagem demonstrou que a qualidade da relação, mesmo fora de um ambiente familiar, pode reparar feridas profundas e encorajar uma ligação saudável.
O que a abordagem Pikler ensina a nós, adultos
Através da sua visão da infância, Pikler mostra-nos um espelho. Ela pergunta-nos: “Consegues abrandar? Consegues confiar na vida? Consegues acolher o que vem sem o apressar?”
Porque nesta forma de acompanhar o pequeno ser com delicadeza, toda uma postura de vida é revelada. O respeito pelo ritmo, a presença plena, a escuta silenciosa… não são estes os fundamentos de uma parentalidade consciente? De uma pedagogia viva?
No ensino doméstico, esta abordagem pode transformar a forma como pensamos a aprendizagem: não como uma corrida, mas como uma caminhada atenta. Não como uma acumulação de conhecimentos, mas como um desabrochar interior que apoiamos sem nunca forçar.
E se deixássemos que a infância nos inspirasse?
No nosso mundo apressado e ruidoso, a abordagem Pikler é uma brisa suave. Lembra-nos que o desenvolvimento não é uma escada a subir, mas uma dança fluida que cada pessoa interpreta à sua maneira.
Convida-nos a acreditar no impulso vital da criança, a oferecer-lhe o enquadramento seguro de onde nasce a liberdade. Ensina-nos que crescemos melhor quando somos olhados com amor, e não dirigidos com avidez.
Coloquemo-nos então esta questão: e se criássemos espaço? De silêncio? De tempo?
E se nos tornássemos tutores invisíveis, como os ramos esguios que apoiam o crescimento sem o impedir?
Deixar as crianças gatinharem, virarem-se, sentarem-se, caírem, levantarem-se, andarem… à sua maneira.
Porque em cada gesto livre, em cada movimento autónomo, se tece o tecido do seu ser.

Escrito por Alexandrina Cabral
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